2. Estrela, Cometa e Pássaro

10 de abril de 2016
Post para o projeto 1001 pessoas que conheci antes do fim do mundo. Veja mais posts aqui

Podem me chama de louca, mas eu gosto mesmo é de andar de ônibus. Carro, além de não ter, em São Paulo ele fica mais parado do que anda propriamente (fora os problemas com o meio ambiente!!!). Metrô é tudo muito rápido, muita gente saindo e entrando, muitas escadas, muitas portas de saída e entrada. Bicicleta seria ótimo se não fosse o sol, a chuva, a distância, a falta de habilidade e a falta da própria bicicleta. Minha praia é ônibus.

Minha praia é sofrer todos os dias com motoristas mal educados que não param pra você por causa de dois segundos de atraso. Minha curtição é segurar em qualquer ponto do veículo para não cair nas curvas 180º na velocidade de não sei tantas por hora, já que as vezes quem dirige tá com raiva e ele obviamente precisa descontar em alguma coisa. Minha filosofia é sentir o calor humano, cheirar o cheiro humano, encostar nos coleguinhas humanos, pedir pra morrer de forma bem humana - e também, claro, ter a oportunidade de participar nas relações humanas.




Era mais um dia comum com um ônibus lotado, pessoas seguindo suas vidas e tentando encontrar algum sentido nelas mesmas - ou não. De manhã cedo, o sono gritava e o cansaço de uma noite mal dormida ficava estampada na cara de todos os passageiros, e sim, principalmente na minha. Por causa disso, meu amigo e minha amiga, eu fiz uma coisa horrível: sentei no assento preferencial. Não havia nenhum idoso/gestante/deficiente por lá, mas mesmo assim, eu não conseguia não me sentir culpada por sentar ali... Pois é. O jeito foi ficar olhando em volta do ônibus a cada parada pra ver se alguém com mais necessidade iria entrar, até que alguém com um cabelo muito branco apareceu bem na minha frente. 

Ofereci o meu lugar, mas ele recusou. Eu sorri e ele sorriu de volta. Primeiro contato, vimos que somos amigos e que era na verdade uma boa oportunidade de bater um papo. Logo reparei que apesar dos fios prateados, ele era muito forte e dava conta das curvas de mil e um graus muito melhor do que eu, veja bem. Para a minha surpresa, logo depois do primeiro diálogo muito formal e da troca de sorrisos, ele me deu um tsuru. Verdinho, pequeno e feito com santinhos de propaganda que as lojas nos dão aos montes. Agradeci. 

- Eu gosto muito de tsuru. Aprendi tudo sozinho. Me deixa mais relaxado sabe? Você sabia que o tsuru é uma lenda japonesa que dizia sobre uma estrela queria vir para a Terra? Ela veio num formato de cometa, que foi se tornando um pássaro aos poucos e hoje é o tsuru. Contei essa lenda pra minha neta e faço muitos tsurus pra ela.

Perguntei quantos anos ela tinha. 

- Ela tem dez anos. Hoje ela quer ser médica, mas não se sabe né? Nessa idade a gente muda tanto. Mas desde que ela seja feliz, isso que é o importante pra um avô. Eu mesmo já quis ser tantas coisas...

E perguntou o que eu fazia, de onde eu era, quantos anos e se eu sentia falta da família. Enquanto conversávamos, ele fazia mais um tsuru com outra propaganda que ganhou por ai. Ele me deu de novo, se desculpando porque o último não ficou tão bom quanto o primeiro. Eu disse que estava perfeito (e realmente estava!) e desejei um ótimo dia, um bom trabalho, e disse que esperava vê-lo de novo por ai (e realmente espero!). 

Só depois que saí no meu ponto que eu percebi que não disse meu nome e nem ele o dele. Não sei o nome da neta, não sei o que ele faz e sei menos ainda se ele pega o mesmo ônibus que eu frequentemente. Só sei que gostei muito da minha viagem com aquele senhor e que agora, independente se vier a vê-lo de novo ou não, minha bolsa tem duas estrelas, que viraram pássaros de santinhos de propaganda de farmácia que foram feitos com muito carinho e que guardam uns bons motivos para continuar a andar de ônibus: pela oportunidade de conhecer pessoas que você não quer esquecer e pelo qual vale a pena escrever.  


2 comentários:

  1. Também gosto de conhecer pessoas novas independente do lugar. São interessantes esses pequenos momentos porque é um lugar onde se tem pouco tempo para se conversar mas na maioria das vezes saem coisas que se levam pra vida.

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  2. Sempre achei incrível como em momentos que menos esperamos, encontramos os tesouros mais valiosos.

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Sempre tento responder os comentários. Se quiserem ver a minha resposta, deem um checadinha!! ♥♥♥♥

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